A felix vulnus. O Ano Inaciano – por Pascal Calu

  21/05/2021

“Ver novas todas as coisas em Cristo” é o lema do ano inaciano, mas como vemos nossos fracassos e as perdas de nossos planos e sonhos? Talvez a experiência de Santo Inácio possa nos ajudar. Pascal Calu, um jovem jesuíta que ajudou a coordenar os eventos do Ano Inaciano, sugere que sim.

Em sua essência, o Cristianismo é uma religião histórica. Deus escolheu inserir-se fisicamente na história humana, tornando-se humano como uma criança vulnerável em um determinado tempo e lugar. Isso explica em parte por que a história é tão importante para os cristãos. Olhar para o passado e a experiência de nossos predecessores e ancestrais nos ajuda a determinar o desdobramento do plano de Deus para o mundo. Mesmo assim, não vivemos no passado. Olhar para trás só faz sentido se nos ajudar a viver mais perto de Cristo hoje e amanhã.

No dia 20 de maio de 2021, a Companhia de Jesus e toda a família inaciana estão iniciando um Ano Inaciano que durará até 31 de julho de 2022. Estaremos comemorando eventos do passado para nos ajudar a seguir Cristo mais de perto hoje. É significativo que não estejamos comemorando uma data de nascimento ou de morte. Este ano, 20 de maio marca o 500º aniversário da ferida infligida a Santo Inácio de Loyola, que defendia Pamplona como capitão do exército espanhol contra as tropas francesas. Inácio, que se considerava um cortesão ambicioso com um futuro brilhante e rico, foi gravemente ferido e viu todos os seus sonhos desmoronarem. Nesse sentido, estamos na verdade comemorando um fracasso; o momento na vida de Inácio em que muitos o teriam considerado um perdedor.

É difícil imaginar uma comemoração mais contracultural em nossa sociedade contemporânea, que coloca tanta ênfase na fama, na riqueza, no sucesso e na ambição. Mas a crucificação de Cristo não foi um fracasso aparente semelhante? O Messias – que aos olhos de seus seguidores era aquele que redimiria Israel (Lc 24,21) – foi executado da maneira mais abominável e desprezível. Os sonhos e aspirações de seus discípulos desesperadamente esmagados, eles perderam toda a energia e dinamismo; “Eles ficaram parados, com o rosto abatido” (Lucas 24: 17b).

No entanto, todos sabemos que esse momento não foi o fim de tudo. Pelo contrário, toda a vida de Jesus e Suas Boas Novas só fazem sentido à luz da Ressurreição. Nesse sentido, a comemoração da ferida de Inácio nos ajuda a compreender sua vida e a atuação de Deus nela: a história de Inácio não termina com a perna estilhaçada. A incrível conversão que se seguiu marcou o resto de sua vida e a vida de tantos outros que foram inspirados pela espiritualidade inaciana e continuam a ser inspirados hoje. O fracasso em Pamplona acabou sendo uma mudança vital. A ferida é, portanto, realmente a felix vulnus (uma ferida feliz).

Refletir sobre a conversão de Inácio pode nos ajudar a nos tratar com mais ternura. Sua conversão foi uma forma muito humana de tentar seguir a Cristo, caindo e se levantando novamente. Seu zelo inicial após a primeira conversão ainda não era completamente centrado em Cristo e muitos apegos desordenados permaneceram. A maneira voluntarista com que Inácio tentou realizar sua vida centrada em Cristo acabou levando-o a uma crise em Manresa e à beira do suicídio. Essa experiência torna Inácio tão carinhosamente humano. Ajuda-nos a sermos capazes de nos relacionar mais facilmente com ele e a nos lembrar que toda tentativa de seguir a Cristo será repleta de obstáculos, voltas e reviravoltas, erros e fracassos. E o mais importante, mostra que isso não é em si uma coisa ruim; nos incentiva a termos ternura conosco.

Comemorar este evento passado nos oferece uma excelente oportunidade de descobrir a maneira de Deus trabalhar em nossas próprias vidas e no mundo ao nosso redor hoje. Ajuda-nos a refletir sobre o sentido da conversão: compreender melhor o que significa deixar para trás uma visão egocêntrica de nós mesmos e do mundo para escolher uma que seja centrada em Cristo, e assim ver todas as coisas novas em Cristo. As palavras da oração de São Ricardo de Chichester, que Inácio certamente teria reconhecido, nos convidam a conhecer Cristo mais claramente, a amá-lo mais ternamente e a segui-lo mais de perto.

Fonte: Fatih Dimensions